Arranque

Começo hoje, 14 de Setembro de 2007, em terras de Sua Majestade o Rei Abdala bin Abdelaziz a iniciar a minha actividade de “bloguista”.

Não vai ser fácil o caminho, até porque sou um bocadinho preguiçoso, mas na medida do possível vou tentar arranjar um tempo para isto.

É claro que espero ter audiência (pelo menos dos meus amigos) !

Também estou aberto a críticas e sugestões.

sábado, 28 de junho de 2008

José Afonso



Não podia deixar de começar esta série de postagens sem me lembrar da música portuguesa. E quem melhor para a representar...claro Zeca Afonso.



Para que os mais velhos não se esqueçam e os mais novos o conheçam.



Conhecer José Afonso nas suas próprias palavras:

Aveiro 1929-1932
"Eu não sei se isso de recordar o nascimento corresponde a um conteúdo repetido dos sonhos (...). Agora que existe uma imagem persistente, uma luz muito difusa (...), uma luz láctea, uma luz imanente, uma luz muito vital (...) como se fosse um banho de leite que me mergulhasse a mim ou que mergulhasse o Universo. Uma larva branca. É a impressão que eu tenho."

"Eram umas tias afáveis, (...). E tenho perfeitamente na cabeça a imagem de lugares na casa: um pátio nas traseiras. (...). Tomávamos café de cevada à noite...""Era uma cozinha enorme, com um fogão de ferro alimentado a blocos de madeira... (...)".

Angola 1932-1937
"Não foi talvez, nem a minha infância em Portugal, nem a segunda fase em África; foi a fase intermédia que foi a mais marcante. (...). Foi a minha viagem no barco Mouzinho... Fui entregue (...) a um primo muito conhecido em Luanda que ia de lua de mel, (...) e que praticamente desapareceu...! E eu transformei um sujeito que conheci a bordo numa espécie de parente vitalício que foi um sacerdote a que eu chamava... o homem das barbas... Missionário de certeza! (...). O homem das barbas deve ter substituído integralmente as minhas tias... Esse homem era quase para mim um absoluto...".

"(...) a África era uma coisa imensa, uma natureza inacessível que não tinha fim, contactos com fenómenos da natureza extremamente prepotentes como eram as grandes trovoadas, os gafanhotos, florestas, travessias de rios em barcaças, etc., etc. Estive também em Luanda onde creio que iniciei a 1ª classe".

Lourenço Marques 1937-1938
"Aos oito anos regresso a África. Agora é Moçambique, não é Angola. Pouco tempo ali estou mas é de novo o paraíso. Somos eu, o meu irmão e a minha irmã... Também nesse tempo vamos com a família à África do Sul e vemos feras em liberdade... Eu sonhava nunca mais abandonar aquela terra".

Belmonte 1938-1940
"De Moçambique vim para Belmonte onde um tio meu era Presidente da Câmara, comandante da Legião!... Homem valsante; gostava muito de valsar e de dançar o tango (...). Uma terra horrível. Um período fechado. Privado de contactos. Eu não podia sequer dar-me com os meninos da vila. Fiz ali a 4ª classe. (...) o pior ano da minha vida.""Ouço noites seguidas daquele meu quarto as notícias captadas pelo meu tio que era de facto a ameaça germânica - 'Londres comme Cartago sera détruite!' ".

Coimbra 1940-1955
"O liceu é a dois passos... (...). Há lá uma ladeira e ao cimo da ladeira era a casa da tia Avrilete, um segundo andar. O ambiente era muito conservador: mulheres de escapulário ao pescoço. Proibições... Por baixo vivia uma outra família e por baixo ainda era a mercearia do Sr. Santos".
"Quando havia trovoada a minha tia dizia o magnificat com voz de sibila, aliás, as três mulheres, (...) diziam todas as três o magnificat em três pontos diferentes da sala, cada uma no seu tom".
"(...) tanto ia aos 'Cágados' onde comia ovos à uma da manhã, como passava pelos 'Galifões' ou pelos 'Corsários das Ilhas'. Os 'Cágados' ficavam perto da minha casa, quando vivia no Beco da Carqueja. A parte de trás dava mesmo para o Quebra Costas e para o Gil, (...). Também conheci muita malta da 'Prá-quis-tão' e tive um convívio bastante estreito com os tipos do ´Palácio da Loucura'. De um modo geral convivi com a 'Ai-Ó-Linda' e dava-me muito com o Lobão dos 'Corsários das Ilhas', (...)".

"Havia uma sociedade de indivíduos que viviam na Alta ou na Baixa economicamente depauperados: barbeiros, merceeiros, profissões dependentes do estudante. Recordo-me que as criadas viviam num estado de fome permanente nas férias grandes e começavam a comer quando os estudantes regressavam. (...). Lembro-me do estatuto de estudante que era, apesar de tudo, compatível com uma certa compreensão humana da situação dessa gente. Esta visão sentimental do que eram as desigualdades sociais motivou uma certa transformação em mim. A visão poético-estudantil em que eu me considerava um herói de capa e batina, um cavaleiro andante, desapareceu ou foi desaparecendo com o tempo e à medida que fui vivendo numa situação económica extremamente difícil com os meus dois filhos no Beco da Carqueja".

"Na formatura era um infantilismo pegado. Cachaços uns aos outros ao mesmo tempo que se dizia 'seu cagão'. Era uma coisa indescritível. A mim pediram-me para sair da caserna porque tinha pesadelos e berrava que nem um chibo"."Eu fui o menos classificado de todo o curso por falta de aprumo militar".

"A minha acção como professor era mais de carácter existencial, na medida em que queria pôr os alunos a funcionar como pessoas, incutir-lhes um espírito crítico, fazer com que exercitassem a sua imaginação à margem dos programas oficiais".

Faro 1961-1964
"Percorri algumas casas dos bairros limítrofes de Faro (...), os lugares mais baratos (...). Fui parar à casa da D. Maria, situada numa rua um pouco excêntrica e muito próxima do cais onde partem os barcos para a ilha..." "Foi uma fase de euforia extremamente gratificante e das coisas mais felizes da minha vida. Escrevi na altura 'Tenho barcos tenho remos', a propósito de um barco que utilizávamos. Nesse 'Barco do Diabo' fazíamos viagens fantásticas ou fantasmas (...) discutíamos pontos de vista vários. Tínhamos a mania de andar a pé até Olhão, até Quarteira e ainda mais longe."

"(...) e então fiquei extremamente impressionado com a colectividade: num local quase sem estruturas nenhumas com uma biblioteca de evidentes objectivos revolucionários, uma disciplina generalizada e aceite entre todos os membros, o que revelava já uma grande consciência e maturidade políticas".

Cidade da Beira 1965-1967
"Se houve alguma coisa em África que me marcou definitivamente foi a realidade colonial. Quando eu parti ia preparado para enfrentá-la: sabia quais os seus contornos e o papel que me cabia como professor, quais os alunos que ia ensinar. Sabia também que ia ser um veículo de transmissão ideológica de uma classe dominante. Sabia que tudo ia ser muito mais violento que tudo quanto tinha experimentado até aqui. Custou-me muitíssimo ir para África, mas hoje não estou nada arrependido".

"Fiquei terrivelmente ligado àquela realidade física que é a África, aquilo tem de facto qualquer coisa de estranho, uma força muito grande que nos seduz".
"O meu baptismo político começa em África. Estava a dois passos do oprimido".

Setúbal 1967-1979
"(...) instalo-me em Setúbal e começo a ser convidado para as colectividades da Margem Sul e mais tarde para as Associações Académicas, para aqueles seminários que se faziam no Técnico. Estudantes de Coimbra, indivíduos com grande maturidade e conhecimentos políticos visitavam-me aqui no prédio Estrela e passei a cantar nessas colectividades (...) Fui convidado pelo Cine Clube do Barreiro (...), aqueceu (...), a direcção foi presa e eu interrogado. Comecei a ser chamado à Pide com uma relativa assiduidade, ao posto local em Setúbal, até que finalmente fui corrido do ensino. Sabia perfeitamente qual era a minha função e pela primeira vez comecei a tomar contacto com o que mais tarde se veio a chamar cantor militante político (...).Vinha decidido a ser professor (...), trazia a angústia que era a de não poder sobreviver (...)"

"Nunca fui um indivíduo com certezas dogmáticas acerca de grupos ou partidos preferenciais. Comecei por me relacionar, sobretudo na Margem Sul, a associações de estudantes fortemente politizadas, por um lado, e a determinadas organizações políticas, como por exemplo os Católicos Progressistas, por outro. Achava que todos aqueles grupos eram necessários para formar um movimento que conduzisse ao derrube do poder. Qual seria depois o partido ou organização que surgiria após o derrube do poder, não sabia."

"(...) multiplicaram-se então as minhas idas por vários locais, reuniões com variadíssimos acidentes. Foi o célebre período em que o meu nome não figurava em jornal nenhum, em que embarcava sem saber se ia chegar ao destino, porque podia ser, como fui, interceptado pela Pide."

"A última vez que fui preso tinha ido esperar o meu pai ao aeroporto. Vim para casa, dormi mal e no dia seguinte bateram à porta. Estávamos em Abril de 1973. O meu filho Zé Manel foi abrir. O inspector apresentou-lhe o 'crachat' da polícia e ele voltou-se displicentemente para a sala a dizer 'oh pai é a prestimosa'. O tipo entrou, fizeram a vasculhação e levaram-me para Caxias."

Azeitão 1979-1987
"Curioso é que nós passamos 40 ou 50 anos de uma vida a fazer determinadas coisas e um dia mais ou menos de repente, sem que renunciemos a nada do que fizemos, apercebemo-nos de que tudo deveria ter sido diferente. É apenas uma vaga sensação que se instala, sem que saibamos defini-la muito bem. No fundo sou muito mais contraditório e supersticioso do que quis admitir ao longo dos anos."

"Eu sempre disse que a música é comprometida quando o músico, como cidadão é um homem comprometido. Não é o produto saído desse cantor que define o compromisso mas o conjunto de circunstâncias que o envolve com o momento histórico e político que se vive e as pessoas com quem ele priva e com quem ele canta.

"Não me arrependo de nada do que fiz. Mais: eu sou aquilo que fiz. Embora com reservas acreditava o suficiente no que estava a fazer, e isso é o que fica. Quando as pessoas param há como que um pacto implícito com o inimigo, tanto no campo político como no campo estético e cultural. E, por vezes, o inimigo somos nós próprios, a nossa própria consciência e os alibis de que nos servimos para justificar a modorra e o abandono dos campos de luta."
" Admito que a revolução seja uma utopia, mas no meu dia a dia procuro comportar-me como se ela fosse tangível. Continuo a pensar que devemos lutar onde exista opressão, seja a que nível for."
www.aja.pt

2001 - Edição Comemorativa

CD1 [46:32]
1. Canção De Embalar 4:02
2. Natal Dos Simples 2:57
3. Maria Faia (Moda Da Azeitona) 3:11
4. Canto Moço 2:00
5. Vai, Maria Vai 2:17
6. Milho Verde 2:16
7. Balado Do Sino 2:16
8. Mar Alto 2:49
9. Saudades De Coimbra 2:56
10. Verdes São Os Campos 2:14
11. Menina Dos Olhos Tristes 4:28
12. Cantar Alentejano 5:32
13. Vejam Bem 4:07
14. A Morte Saiu À Rua 3:12
15. Qualquer Dia 2:15

CD2 [51:26]
1. Traz Outro Amigo Também 3:55
2. Maio, Maduro Maio 3:16
3. Cantigas De Maio 5:46
4. Coro Da Primavera 4:50
5. Venham Mais Cinco 4:37
6. Coro Dos Tribunais 4:26
7. Com As Minhas Tamanquinhas 2:12
8. Enquanto Há Força 2:03
9. Fura Fura 3:03
10. Cantares Do Andarilho 3:30
11. Era De Noite E Levaram 2:18
12. Eu Vou Ser Como A Toupeira 2:02
13. Ailé ! Ailé 2:43
14. Era Um Redondo Vocábulo 3:19
15. Grândola, Vila Morena 3:26

Para ouvir o Zeca clique aqui e aqui
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